terça-feira, 10 de maio de 2011

Salão encantado


Nem sempre foi assim. Tão sombrio, tão misterioso.
Houve dias em que a luz do Sol entrava pelas janelas altas e me mostrava qual livro
eu deveria abrir naquela manhã, e me deleitava nele até que o Sol se escondesse de novo.
As fotos nas paredes me contavam a história do lugar.
O descobri por mim mesma, atrás das gradiosas portas que o escondiam.
Encontrei alguns recortes de jornais sobre o homem que aparecia em um foto ou outra das paredes. Tratava-se de um estudioso que simplesmente sumiu. Nada além disso.
Eu imaginava que o tal estudioso fosse de familia rica, ou então se fez enriquicer através de todo seu conhecimento. Não tenho como saber ao certo, apenas fantasiar.
Sua incrivel e deslubrante biblioteca se escondia aos fundos de um jardim abandonado. Jardim esse que se estendia por longos caminhos até a mansão de um familia a qual nunca vi.
Em minhas fantasias imagino que ele morasse naquela casa, mas que por alguma razão não gostava de lá. Preferia se refugiar em sua biblioteca banhado aos seus livros e abençoado por todas a vida que o cercava. Imagino que esse jardim abandonado já foi um lugar mágico, com beleza sem igual. Incomparavel.
Posso ver o jovem senhor lendo estudiosamente um dos livros e desvendando os mistérios que poderiam nele habitar entre linhas (acontece que os autores sempre dizem muito mais entre linhas do que de fato o que escrevem).
Poderiam haver codigos, letras distintas que formassem indicações, números soltos. Coisas que pra ele fariam sentido, coisas que teriam alguma importancia.
Não sei porquê, mas por algum motivo criei uma certa afeição por esse senhor o qual jamais conheci.
Em cada um dos livros que li, o imagina como um dos personagens. Geralmente personagens coadjuvantes que acabavam com um papel essencial nas histórias. Cientistas loucos ou mal compreendidos, magos, homens das leis, sábios que foram expulsos dos castelos, cavaleiros... ele foi todo tipo de pessoa.
Imaginava a biblioteca e o jardim como o palco das incriveis histórias que lia. Fugi de bruxas, matei gigantes, corri sobre as águas, lutei em guerras inimaginaveis, abracei leões amigos, fui amiga de seres inexistentes, salvei o dia, desvendei mistérios. As letras tomavam vida quando lidas da maneira que foram escritas para se ler.
Algumas vezes chegava a me confundir e me perder sobre o que de fato era real, mas para minha triste e saúde da razão, todos os livros tem um fim. As letras uma hora acabam e mesmo que deixem sua mente vagar sobre o futuro da história, ninguém te conta mais nada. Então não sou mais guerreira, princesa, fugitiva ou qualquer outra papel o qual eu possa ter assumido. Meu amigo de todas as horas, o jovem senhor, também não está mais lá. E tudo finalmente some.
Livro após livro, a intensidade era sempre a mesma.
Foi então que eu cresci. Triste fim.
Minhas idas aquele lugar foram diminuindo, minhas prioridades começaram a mudar... Até que dei por mim que tinha abandonado meu refugio secreto.
Não conseguia mais ver meu amigo sábio, me ensinaram a ler de outro jeito. Esqueci como fazer para tornar tudo real. Perdi o encanto, e agora, a vida toma conta desse lugar por si só. A natureza invadiu o salão, as árvores querem morar aqui dentro como se elas quisessem voltar a ouvir as histórias que eu já não lhes contava mais.
Como deixei isso acontecer? Como?
As fotos estão no mesmo lugar, os livros também. Tudo como eu deixei com uma camada de poeira a mais.
Ainda gosto de pensar que um dia o jovem senhor irá aparecer com uma barba gigantesca me lembrando de todas as aventuras pelas quais passamos e que agora ele é um sábio em algum reino distante que eu ainda não foi infectado pela 'realidade'.
Crescer me fez desaprender a tornar as coisas reais, me colocaram na cabeça que isso tudo é coisa da tal da imaginação. E o pior: Eu acreditei.
Vai ver quem me ensinou isso um dia também já lutou no quintal, e viu tudo muito real, mas foi ensinado a viver na 'realidade'.
Triste fim, triste.
Quem sabé acharei o livro que me explique tudo isso, que mostre o que de fato é real. Quem sabe aprenderei a desvendar os codigos e misterios entre linhas...
Quem sabe... Quem sabe esse lugar não viva de novo... Quem sabe?